Para além da sala de aula: relatos e experiências de estudantes extensionistas

  • Postado em 4 de novembro de 2025

Um dos aspectos mais importantes dentro da graduação é a possibilidade de estender o conhecimento aprendido na sala de aula para fora dos muros da universidade. O eixo da extensão sustenta a formação acadêmica da Universidade Federal do Cariri (UFCA), juntamente dos pilares de ensino, cultura e pesquisa. Portanto, as ações de extensão estão previstas como horas essenciais a serem cumpridas pelo estudante, seja qual for o seu curso.

No curso de jornalismo, a extensão está distribuída formalmente no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da seguinte maneira: na matriz curricular de 2016, as atividades complementares devem somar 300 horas (e destas, pelo menos 150h são de extensão). Já para a matriz curricular de 2023, seguindo o que orienta o Plano Nacional de Educação (PNE) que traz como estratégia 10% do currículo de atuação em ações de extensão, as atividades apenas de extensão devem somar 330 horas.

O pilar da cultura também abarca projetos de extensão com ações voltadas para a comunidade, apesar de ter um eixo próprio na contabilização de horas complementares. As atividades promovidas por este setor buscam promover formação e integração culturais entre o ambiente acadêmico e a sociedade. Alguns projetos transitam entre o eixo de extensão e cultura, a depender dos editais ofertados. A seguir, são abordados os principais projetos de extensão e cultura desenvolvidos nos últimos anos no curso de jornalismo, focando no relato e experiência dos estudantes.

Vozes do Cariri

O Vozes do Cariri é um programa de TV do curso de jornalismo, que busca divulgar a cultura, costumes e saberes da região metropolitana do Cariri. Criado em 2023, o Vozes é realizado inteiramente por estudantes bolsistas ou voluntários, e coordenado pela professora de telejornalismo Ligia Coeli. O projeto divulga suas produções através do Instagram (@vozesdocariri) e do canal do Youtube (@cariritv). Frequentemente, realiza parcerias com a emissora local TV Verde Vale, que oferece apoio técnico para a execução de programas dentro do estúdio.

A jornalista Clara Freitas teve a oportunidade de participar do Vozes enquanto ainda estudava, em 2024. Clara atuou principalmente como repórter, exercendo também a função de apresentadora do programa. Para ela, o Vozes é importante pois é uma iniciativa que “escuta, valoriza e registra os saberes do nosso território”, criando pontes entre a academia e a comunidade caririense. “Quando essas histórias chegam até a TV, elas fortalecem nossa identidade e mostram que o conhecimento também nasce da experiência, da tradição e da vivência de quem constrói, cotidianamente, nosso Cariri.”

Clara durante o processo de gravação para o Vozes. Imagem: Ligia Rodrigues.

Clara conta que o Vozes foi o projeto responsável por sua descoberta no ramo profissional. Nele, a jovem pôde desenvolver funções de repórter, apresentadora e produtora, através de valores essenciais que tornaram a jornalista que é hoje. O projeto também ajudou Clara no tato humano cultivado junto da fonte. “No Vozes eu percebi que o jornalismo pode (e deve) ser feito com cuidado, atenção, afeto e presença”. É através deste olhar cuidadoso sobre as pessoas que se encontra “o verdadeiro sentido do fazer jornalístico”.

Mestre Stênio Diniz sendo entrevistado por Clara para o Vozes. Imagem: Captura de tela do Programa 07 do Vozes do Cariri (2024), disponível no Youtube.

A experiência com o Vozes foi fundamental para Clara aprender que não basta apenas escutar o outro, é preciso “ouvir de verdade, com o coração aberto e o olhar atento”. A presença física junto de outras pessoas, culturas e territórios transformou a forma da jovem relatar histórias, trazendo mais “sensibilidade e afeto”. O encontro com o Mestre Stênio Diniz foi único e marcou a trajetória de Clara no Vozes, por se tratar de  uma fonte sensível e respeitosa, capaz de tocar no lado pessoal e humano. “Ele se emocionou muito durante a entrevista e eu segurei a mão dele, como quem diz ‘nós estamos juntos’”.

Recentemente, o Vozes firmou uma parceria com a TV da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), para a exibição dos programas desenvolvidos no projeto na rede Valenet, que alcança cerca de 70 cidades no interior de Minas Gerais. Os programas serão exibidos também na plataforma virtual Eduplay, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Assim, as produções desenvolvidas pelos estudantes da UFCA passam a tomar proporções nacionais, levando a cultura caririense para novos lugares do Brasil.

Corte Seco

A Corte Seco é um projeto extensionista (e cultural) dedicado à abordar e discutir, sobretudo, produções audiovisuais da região do Cariri. Produz a revista Corte Seco e promove mensalmente o Cineclube Itinerante, levando exibições de filmes caririenses para o debate público. Foi criado em 2018, e é desenvolvido por estudantes bolsistas sob a coordenação dos professores Rodrigo Capistrano e Isadora Meneses. As ações da Corte Seco são divulgadas através do Instagram (@cortesecorevista) e do site.

Detalhe da sétima edição da revista Corte Seco, distribuída para o público durante o Cineclube promovido pelo projeto. Imagem: Ana Jáfya Apolinário.

Ana Jáfya é estudante de jornalismo, e faz parte da Corte Seco desde 2024. Atua principalmente como redatora da revista, produzindo resenhas de filmes e outros conteúdos temáticos. Também cria roteiros e edita vídeos para a rede social do projeto. Jáfya destaca que a importância da Corte Seco para a comunidade vêm muito da vontade de “preservação, fortalecimento e valorização” do cinema nacional, a partir da proposta em aproximar a região do que se está sendo produzido no Cariri. “Para mim, participar do projeto é também participar de um movimento de resistência e celebração do audiovisual brasileiro”, aponta a estudante.

Sobre as contribuições da Corte Seco para a formação estudantil, Jáfya descreve que o projeto ajudou a desenvolver em si um “olhar crítico”, uma “sensibilidade” e uma “vontade” de construir narrativas sobre a cultura caririense. “Sempre fui apaixonada por cinema, desde criança, e ver de perto um projeto que valoriza o audiovisual brasileiro despertou ainda mais esse interesse em mim”. Como uma das experiências mais marcantes durante o projeto, Jáfya indica a primeira edição do evento Cariri é Cinema, ocorrido no mês de agosto. “Foi uma oportunidade que eu tive para me aproximar da comunidade audiovisual caririense”.

Comunidade acadêmica discutindo após exibição de filmes durante o evento Cariri é Cinema, promovido pela Corte Seco. Imagem: Clara Vitória Tavares. 

O evento “Cariri é Cinema: I Encontro de Cinema e Educação da UFCA”, organizado pela Corte Seco em agosto deste ano, anunciou a criação do primeiro curso de Cinema e Audiovisual no interior do Ceará, com previsão de abertura para 2027. A proposta de criação de um curso de cinema esteve em discussão por anos, mas foi apenas neste ano, impulsionada pelas iniciativas da Corte Seco, que se concretizou oficialmente. Uma das principais ações promovidas pela Corte Seco, além do evento Cariri é Cinema, foi a criação de um abaixo assinado reivindicando a criação do curso de cinema.

Memórias Kariri

A Memórias Kariri é um projeto de extensão e cultura que atua principalmente através da produção da revista Memórias Kariri, com o objetivo de preservar em acervo os saberes, conhecimentos e vivências da população do Cariri. Existe desde 2017, e atualmente os estudantes bolsistas são coordenados por Liliane Nascimento e João André, professores do curso, e Paulo Anaximandro, técnico servidor. As produções realizadas pela Memórias Kariri podem ser acessadas principalmente pelo site e pelo perfil no Instagram (@memoriaskariri).

Capas das últimas edições da Memórias Kariri, disponível de forma gratuita no site do projeto. Imagem: Captura de tela do site Memórias Kariri.

O jornalista David Braga atuou como voluntário da Memórias de 2023 à 2024, exercendo funções de redator, diagramador e repórter. Em relato, David conta que a revista promove “muito a questão do pertencimento à nossa região” ao permitir conhecer pessoas “que carregam marcas importantes da nossa cultura”. David também confessa que, dentro do projeto, pôde “conhecer muitas histórias que sequer conhecia”, e que foi muito interessante observar como estas experiências únicas se manifestam de diferentes formas através da região.

O mergulho na manifestação cultural caririense, proporcionada pela Memórias, impactou David em sua formação profissional. “A gente tem muita história bacana para contar que muitas vezes acabavam não tendo a visibilidade midiática devida”. A Memórias abre espaço para mostrar experiências do povo caririense enquanto traz uma sensação de “pertencimento” aos participantes, como David relata. O contato mais próximo com a área do jornalismo impresso é motivo de destaque para o jornalista. “Dentro da Memórias eu tive a oportunidade de entender todas as etapas de construção de uma reportagem para revista”.

David Braga (agachado à esquerda) junto de integrantes do Memórias e de outros projetos durante o “Prêmio Você Promove a Extensão”, em 2023. Imagem: Arquivo da Memórias Kariri.

Segundo David, a experiência dentro da Memórias ajuda o estudante a pensar em como vai funcionar o conjunto de informações de diferentes formatos. “Desde o processo de apuração, escrita de texto, questão das imagens”, como tudo isso vai estar disposto na reportagem que o público vai ler. De experiência marcante, David destaca a participação no ENEX (Encontro de Extensão) em 2023, permitindo a interação do bolsista com outros projetos de extensão, de áreas distintas de atuação e também desenvolvidas também por estudantes.

No Meu Bairro Também Tem

No Meu Bairro Também Tem é um projeto de extensão que propõe a realização de oficinas de textos e de colagens para estudantes de ensino médio, buscando trazer os olhares e as vivências destes indivíduos em narrações sobre os seus territórios. Foi desenvolvido ao longo 2025, com a coordenação das professoras Juliana Lotif e Liliane do Nascimento. Estudantes bolsistas puderam atuar como ministrantes das oficinas realizadas em colégios da cidade de Juazeiro do Norte, após passarem por etapas de aprendizagem e elaboração de materiais para o ensino.

Estudantes de jornalismo realizando colagem de figuras em “oficina-teste”, ocorrido na UFCA. Imagem: Arquivo do No Meu Bairro Também Tem.

Lívia Leandro é estudante de jornalismo e também bolsista do No Meu Bairro Também Tem. Entre as atividades atribuídas, Lívia produziu registros textuais e realizou cobertura fotográfica das ações, tarefas que permitiram “experimentar mais a prática jornalística”. Segundo a jovem, a realização das oficinas de perfil e colagem para os estudantes do ensino médio tem a sua devida importância porque “ampliam o sentimento de pertencimento” em comunidades e reforçam o valor “de se enxergar como parte ativa do lugar onde vivem”. O senso crítico dos estudantes é aflorado a partir da motivação em criar novas narrativas, tendo como base o material levado pelo projeto, referente a uma visão externa que a mídia tem sobre estas comunidades.

Lívia (em pé à direita) reunida com estudantes e equipe do projeto No Meu Bairro Também Tem. Imagem: Arquivo do No Meu Bairro Também Tem.

Lívia destaca que o projeto, além de acrescentar a prática da docência no repertório pessoal, também enriquece “culturalmente” os bolsistas. “Podemos visualizar experiências importantes para Juazeiro a partir dos bairros e das pessoas que vivem nele”. A passagem pelo projeto permitiu que Lívia enxergasse, ainda, a vida em seu entorno para “ver que existem outras narrativas interessantes e que merecem ser contadas”, deixadas de lado, talvez, pelo “sistema”. Como um momento marcante no projeto, Lívia narra da vez que teve que escrever sobre a sua bisavó, durante a fase de aprendizados sobre perfil jornalístico e colagem. “Eu escrevia e chorava, lia e chorava” relata, emocionada.

DataJor

O DataJor é uma iniciativa de extensão dedicada à prática do jornalismo de dados, promovendo a investigação ativa em bancos de dados e a realização de consultas junto a órgãos públicos para a produção e divulgação de notícias. Seu principal propósito é fortalecer a transparência das informações relacionadas à gestão pública. Atualmente, é coordenado pelos professores Ivan Satuf e Diógenes Luna. As produções do projeto são publicadas através do Instagram (@datajor.cariri) e site. O DataJor é vinculado ao Grupo de Pesquisa em Processos Jornalísticos e Inovação (Proji), também gerido pelo professor Ivan.

Semelhante ao projeto No Meu Bairro Também Tem, o DataJor realiza oficinas instrutivas para estudantes do ensino médio, com o objetivo de exercitar o direito básico de acesso à informação. A estudante Clara Tavares, bolsista do projeto, relata que, entre outras atividades de apuração e produção de notícias, ficou responsável por ministrar oficinas nos colégios da região do Cariri. Clara ressalta que o DataJor é essencial para mostrar aos estudantes que eles “não são sujeitos passivos ao que acontece no dia a dia”, podendo recorrer aos governantes em situações desagradáveis, como “uma rua em reforma” ou “um cardápio escolar que julgam irregular”.

Clara Tavares (agachada e à frente) junto de parceiros do DataJor e estudantes do colégio EEMTI Virgílio Távora, durante realização de oficina. Imagem: Arquivo do DataJor.

“A extensão proporciona momentos importantes entre a universidade e a comunidade”, afirma Clara. A jovem percebeu o entusiasmo dos estudantes diante dos temas discutidos nas oficinas, destacando que esses encontros os ajudavam a compreender e assumir seu papel como “cidadãos ativos” na sociedade. Para Clara, o DataJor ajudou a aprimorar suas competências de apuração e de repórter “indo a campo”, além de desenvolver habilidades na manipulação de banco de dados, “traduzindo-os” para o público.

Clara instruindo aluna durante a realização das oficinas. Imagem: Arquivo do DataJor.

Clara destaca como experiência marcante uma oficina realizada num colégio de Barbalha, devido ao engajamento que os estudantes demonstraram durante a execução de um pedido de informação através da plataforma e-SIC (Sistema Eletrônico de Informações ao Cidadão). “Nessa oficina, alguns alunos até ‘fugiram’ da atividade proposta, porque queriam pedir algo que eles haviam pensado por si mesmos”, narra Clara. “Ver o pensamento crítico florescer é muito massa pra quem faz extensão.”

Agência Cariri

A Agência Cariri é um projeto de extensão voltado, inicialmente, para a cobertura e apuração de fatos relacionados ao jornalismo, sendo pioneira nesse campo de atuação no estado do Ceará. Atualmente, passou a ampliar o seu escopo editorial, abordando outras pautas gerais e de interesse público, desvinculadas de conteúdos institucionais. O projeto é coordenado pelo professor Edwin Carvalho e conta com uma equipe de estudantes responsáveis pela produção de conteúdos. As produções são divulgadas através do Instagram (@agencia.cariri) e site.

Abílio Fortunato, estudante que já foi bolsista da Agência Cariri, conta que o trabalho jornalístico prestado pelo projeto “é feito com com muita responsabilidade” e visa para o público caririense “informação completa e rica em detalhes”. Além de prestar o serviço de informar a população, a Agência Cariri também fomenta a realização de eventos importantes e impactantes para a região, “como é o caso do evento do dia do jornalista, que em sua última edição trouxe a jornalista Manuela d’Ávila”.

Abílio e Manuela d’Ávila durante evento do dia do jornalista, ocorrido na UFCA. Imagem: Arquivo da Agência Cariri.

Abílio atuou na Agência Cariri realizando matérias, reportagens e até mesmo um documentário. “Foi onde aprendi e vi como realmente funciona uma redação jornalística”. Deste modo, a passagem do estudante pelo projeto contribuiu de forma significativa para a formação acadêmica e profissional. “Participar da Agência foi um divisor de águas”. Como evento marcante, Abílio aponta a produção do documentário dedicado à comemoração dos 15 anos do curso de jornalismo. “Tive a oportunidade de entrevistar grandes nomes do jornalismo do Cariri e que fizeram o curso na UFCA”. O estudante fala que foi um momento repleto de trocas de experiências e que nunca irá esquecê-lo.

Abílio entrevistando a jornalista Clara Freitas, para documentário sobre os 15 anos do curso de jornalismo da UFCA. Imagem: Amanda Arraes.

Os projetos de extensão e de cultura permitem que o estudante se insira nas práticas do curso enquanto ainda aprende e estuda pelo decorrer das disciplinas. Para além das contribuições no currículo profissional, estes projetos permitem desenvolver o lado humanitário dos estudantes, como relatado pelos entrevistados nesta reportagem. A extensão é um lugar onde se desenvolve experiências e aprendizados culturais. A maioria dos projetos apresentados valoriza a manifestação social do povo. Assim, as produções, feitas pelos estudantes, revivem e perpetuam a história do Cariri.

Para integrar as atividades de extensão, os estudantes devem acompanhar a divulgação dos editais e realizar a inscrição conforme os critérios estabelecidos por cada projeto. Em alguns casos, é possível participar como colaborador voluntário, sem a obrigatoriedade de passar por processos seletivos, exigidos apenas para aqueles que concorrem a bolsas. Mesmo como voluntário, o estudante ainda recebe os créditos das horas complementares pelas ações exercidas durante o projeto. Os interessados podem contatar os coordenadores ou representantes dos projetos através do e-mail institucional, para obter informações mais detalhadas.

Reportagem: David Lucas de Oliveira Souza